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Representatividade feminina nos games: a luta da mulher por respeito e igualdade

Harumi foi a primeira mulher a disputar no cenário competitivo de League Of Legends do Brasil / Foto: Reprodução

Maioria dos gamers é composta por mulheres, mas isso não se reflete no cenário

Por Carolina Fraga, Gabriela Estrella, Gustavo Senna, Maria Luísa Martins e Nicole Machado

Em 1827, as mulheres são autorizadas a ingressarem nas escolas. Cinquenta e dois anos depois, chegam às faculdades. Em 1910, o primeiro partido político feminino surge. Vinte anos depois, elas conquistam o direito ao voto. Mesmo com algumas conquistas, a luta das mulheres por respeito, espaço e igualdade continua presente na sociedade. Em agosto de 2021, o público feminino foi vítima, mais uma vez, do preconceito. Agora, vindo do time de eSports do Clube de Regatas do Flamengo. Através de um vídeo com diversas referências machistas que objetificavam a mulher, o clube revelou a contratação da streamer Caroline “Cacau”. A publicação do anúncio gerou uma repercussão extremamente negativa e levou os internautas a criticarem o Flamengo, o que fez com que o clube tomasse a decisão de deletar o vídeo.

Essas demonstrações de machismo são recorrentes em diversos âmbitos sociais e também acontecem no universo gamer, onde as mulheres são maioria. Os dados são da Pesquisa Game Brasil, produzida e desenvolvida através da parceria entre Blend New Research, ESPM, Go Gamers e Sioux Group, que revela que as mulheres já representam a maior parte da comunidade gamer no Brasil há alguns anos. A última edição (8ª), publicada em 2021, indicou que 51,5% do público de jogos eletrônicos do país é feminino.

Essa é a sexta vez consecutiva em que a pesquisa indica que mais da metade do público gamer é composto por mulheres. Esse cenário não é tão fácil de ser observado no dia a dia das jogatinas, das plataformas de streaming e da produção de conteúdo. Na Pesquisa Game Brasil, quando surgiu a pergunta “Você se considera um gamer?”, 65,5% dos homens responderam “sim”, contra 57,5% das mulheres. Se o público feminino é maioria no cenário dos jogos eletrônicos, é de surpreender que haja uma menor identificação das mulheres com a nomenclatura. A conta não bate.

Isso pode ser explicado por vários fatores. Um deles é que o ambiente de jogos online pode ser muito tóxico para o público feminino. Rafaella Morsch, gamer de 21 anos que joga desde criança, relata que os games multiplayer, que envolvem partidas contra outros jogadores, foram muito tóxicos às mulheres ao longo de sua trajetória. No entanto, para ela, isso melhorou muito ao longo do tempo. “Na época em que eu comecei a jogar games multiplayer, em 2013, era muito tóxico. Uma amiga minha parou por causa dos comentários ofensivos e das ameaças que ela recebia”. Porém, hoje, a carioca entende que a situação está bem melhor do que antes e que esses comentários machistas são recriminados por outras pessoas, já que não são mais tolerados por grande parte da comunidade gamer “Claro que sempre irão existir pessoas machistas em jogos, mas isso não é mais bem visto pelos outros jogadores”, conta Rafaella.

Diante desse cenário e buscando a melhora constante da situação, alguns coletivos incentivam a participação das mulheres no mundo dos games e a inserção delas no mercado dos eSports. Thaís Queiroz, jovem cearense de 20 anos, decidiu criar, em 2018, a Sakuras Esports, que, de início, não passava de um grupo de WhatsApp, em que as mulheres conversavam e jogavam entre si. Ciente da importância da representatividade feminina no universo gamer, ela transformou o grupo em uma organização, que tinha por objetivo incentivar a participação feminina no mercado de eSports, tanto profissionalmente quanto de maneira casual. “Quando a Sakuras surgiu, muitas mulheres apareceram. Então, naquele ano, percebi que o que faltam não são mulheres no cenário para serem profissionais, mas sim oportunidades”, reflete Thaís.

A CEO e fundadora da Sakuras Esports confessa que, durante a sua infância, não tinha contato com nenhum tipo de jogo e, por isso, o seu interesse pelo cenário se manifestou tardiamente. Thaís se encantou pelo mundo dos eSports aos 16 anos de idade, após ser influenciada pelo cunhado e pela irmã a jogar League of Legends, um game eletrônico online, desenvolvido e publicado pela Riot Games, em 2009. “O mundo gamer não é algo que está presente na minha vida há muito tempo, mas, depois que entrou, virou o meu centro”, diz.

Apesar de algumas conquistas femininas de direito em relação ao trabalho, à política e a questões de gênero, a sociedade continua sendo preconceituosa e machista e diversas são as vezes em que as mulheres são alvo de assédio, durante as partidas online. A Pesquisa Game Brasil de 2020 apontou que pelo menos 38% do público gamer feminino sofre assédio sexual durante as jogatinas. O número só não é maior porque 59% das jogadoras costumam esconder o seu gênero no momento da partida, com o objetivo de driblar os ataques machistas, segundo uma pesquisa de mercado feita pela Lenovo. A sociedade ainda reflete muitos estereótipos culturais negativos em relação ao mundo feminino, que, por muitas vezes, são transmitidos de forma preconceituosa e discriminatória, incentivando o afastamento das mulheres do mundo dos games.

Para Thaís Queiroz, apesar das dificuldades em ser mulher no cenário de jogos eletrônicos, ela acredita que também é muito gratificante. “O que você faz acaba se tornando referência para outras mulheres, num futuro próximo. Dessa forma, mesmo que haja alguns ônus, eu acredito que, no quesito gratificação, o bônus é bem maior”, reforça a jovem. A cearense ainda afirma que, em sua experiência como CEO da Sakuras Esports, percebeu que as mulheres são um público muito unido e que é necessário acreditar e confiar no potencial de cada uma, para que as oportunidades no universo gamer surjam.

Mulher, streamer e caster do CBLOL Academy (Campeonato Brasileiro de League of Legends), a comentarista Lahgolas é uma grande representante de mulheres e de pessoas pretas nas transmissões e na produção de conteúdo. Há alguns anos, esse espaço era ocupado de forma majoritária por homens brancos. “Carrego uma grande responsabilidade de representar muitas mulheres e pessoas pretas que antes não se viam em posições de destaque no cenário competitivo”, afirma a comentarista. Ela ainda alerta que a luta pelo espaço no cenário de eSports é constante, e não algo que já foi solucionado. “Ser mulher nesse meio é uma luta diária pelo direito de estar em qualquer espaço”, completa.

Innova ganhou terceiro lugar no Girl Gamer Festival / Foto: Reprodução
Innova ganhou terceiro lugar no Girl Gamer Festival / Foto: Reprodução

O interesse feminino pelo mundo gamer revela talentos que ficaram escondidos durante muito tempo, como é o caso do time de eSports Innova, representante brasileira no Mundial de LOL no Girl Gamer Festival (GGF), que levou o troféu de 3º lugar para casa. Isso mostra a evolução da representatividade feminina no cenário, já que o mercado de eSports está em evidência e deve aumentar em 70% nos próximos quatro anos, de acordo com um relatório da Juniper Research, empresa especializada em fornecer pesquisas de mercado.

As indústrias de games passaram a lucrar mais e muitas são as estratégias utilizadas para segmentar o seu mercado. De acordo com a Global Esports Market Report, o mercado movimentou US$1,1 bilhão em 2019 e se aproximou de US$1,5 bilhão em 2020. Um dos fatores que mais chama a atenção, no entanto, é a audiência, que alcança números impressionantes. Em 2019, a Riot Games divulgou que a final da Copa do Mundo de LOL, entre G2 Esports e FunPlus Phoenix, alcançou um pico de 44 milhões de espectadores únicos.

Palco da final da Copa do Mundo de LOL, em 2019, Paris, França / Foto: Riot Games
Palco da final da Copa do Mundo de LOL, em 2019, Paris, França / Foto: Riot Games

Com o crescimento da participação feminina no universo gamer, a indústria de jogos eletrônicos vem se mostrando preocupada com a inclusão desse público no cenário, investindo em torneios mistos e entre mulheres. Entretanto, mesmo com os avanços, ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Somente no ano passado que uma mulher competiu, pela primeira vez, em um campeonato de League of Legends, no Brasil. Oito anos depois do torneio chegar ao país, Gabriela “Harumi” Gonçalves foi escalada.

Harumi foi a primeira mulher a disputar no cenário competitivo de League Of Legends do Brasil / Foto: Reprodução
Harumi foi a primeira mulher a disputar no cenário competitivo de League Of Legends do Brasil / Foto: Reprodução

Com mais da metade do público gamer sendo feminino (51,5%) pela sexta vez consecutiva, observa-se que os homens deixaram de dominar a área de games há muito tempo. Para a fundadora da Sakuras Esports, Thaís Araújo, no decorrer dos anos, as mulheres passaram a ser uma comunidade ativa no cenário. “Esses números impactam diretamente na forma como o restante da comunidade enxerga a nossa existência ali dentro”, reflete. O mercado gamer deve ter como prioridade incluir e diversificar, não excluir.

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